Relevância da cláusula de Joint Tenancy with Rights of Survivorship (JTWRS) em estruturas empresariais offshore e o comparativo em relação ao testamento (Will)

Tomás Carvalho

Tomás Carvalho

A cláusula de Joint Tenancy with Rights of Survivorship (JTWRS) é uma das figuras mais relevantes do direito sucessório anglo-saxão aplicável às estruturas empresariais offshore, especialmente em planejamentos que envolvem a titularidade compartilhada de ativos. Trata-se de um instituto que confere a duas ou mais pessoas a propriedade conjunta e indivisível de determinado bem ou direito, de forma que, com o falecimento de um dos cotitulares, a sua quota-parte é automaticamente consolidada na titularidade dos sobreviventes, sem que haja a necessidade de abertura de inventário.

O JTWRS traduz, em termos práticos, o exercício do direito de propriedade por coproprietários de forma integral e indivisível sobre o bem considerado como um todo. Enquanto todos os cotitulares estiverem vivos, cada um detém o mesmo direito de propriedade, sem divisão material ou ideal. Com a morte de um deles, o sobrevivente torna-se automaticamente o único titular do direito, sem que haja transmissão causa mortis, herança ou fracionamento de propriedade. A propriedade se mantém íntegra e contínua, afastando a incidência de procedimentos sucessórios e a ingerência de tribunais locais.

Aplicado ao contexto societário, o JTWRS é especialmente útil para participações em sociedades offshore, como quotas ou ações detidas em empresas constituídas em jurisdições de common law. Nessas situações, o registro societário pode conter expressamente a cláusula de survivorship, de modo que, em caso de falecimento de um dos sócios, a totalidade da participação é automaticamente consolidada na titularidade do sócio sobrevivente. Isso elimina a necessidade de inventário na jurisdição offshore, dispensando contratação de advogado local, custas judiciais e o prolongamento natural dos processos de partilha, assegurando agilidade, previsibilidade e continuidade na gestão da empresa.

Sob uma perspectiva estratégica, essa característica faz do JTWRS uma ferramenta extremamente eficiente para fins de planejamento sucessório internacional. Enquanto o direito brasileiro impõe uma ordem de vocação hereditária e reserva de legítima aos herdeiros necessários, o uso de estruturas societárias estrangeiras com cláusula de survivorship permite que o controle patrimonial siga regras autônomas do direito estrangeiro. Assim, o falecimento de um cotitular não desencadeia a sucessão civil brasileira sobre aquele ativo específico, mas sim a consolidação direta da titularidade no sobrevivente.

É justamente nesse ponto que se revela o contraste entre o JTWRS e o testamento tradicional (Will). O testamento, embora igualmente sirva à nomeação de sucessores, somente produz efeitos mediante a abertura de inventário na jurisdição competente, com validação judicial (probate) e todos os custos e prazos associados. O JTWRS, ao contrário, opera de forma automática e extrajudicial, bastando a comprovação do óbito para que o ativo seja formalmente consolidado em nome do sobrevivente. Por essa razão, costuma-se dizer que o JTWRS atua como um “testamento automático”, que dispensa a burocracia e a morosidade dos processos sucessórios.

Todavia, é importante reconhecer que o JTWRS possui limites. Ele não permite a imposição de regras sucessórias complexas, como condições de distribuição, substituições de beneficiários ou administração fiduciária em caso de incapacidade. Nesses aspectos, o instrumento mais completo e flexível é o Revocable Trust, que além de evitar o inventário, permite definir regras detalhadas de administração, distribuição e governança patrimonial. Assim, o JTWRS oferece simplicidade e eficiência pontual; o trust oferece abrangência e controle estratégico.

Do ponto de vista fiscal e regulatório brasileiro, a utilização de estruturas offshore com JTWRS mantém-se compatível com as obrigações de declaração de capitais no exterior. Na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o residente no Brasil deve declarar apenas a titularidade da participação societária na empresa offshore — ou seja, as quotas ou ações detidas — e não os ativos ou aplicações financeiras pertencentes à própria pessoa jurídica estrangeira. Os bens e direitos detidos pela offshore, como investimentos, imóveis ou contas bancárias, não integram diretamente a declaração do sócio, garantindo maior privacidade e sigilo sobre o patrimônio subjacente.

Essa característica reforça um benefício adicional do uso de holdings offshore com cláusula de survivorship: a proteção patrimonial e a discrição na gestão dos ativos. Como a titularidade formal dos bens é da pessoa jurídica sediada no exterior, e não diretamente dos sócios residentes no Brasil, não há exposição desses ativos na declaração individual (exceto no caso de obrigações específicas, como a DCBE perante o Banco Central). Além de preservar a confidencialidade, essa estrutura reduz o risco de constrições indevidas e assegura maior estabilidade sucessória.

Em síntese, o Joint Tenancy with Rights of Survivorship é um mecanismo eficaz, econômico e de execução imediata para assegurar continuidade patrimonial em estruturas offshore. Embora não substitua os instrumentos mais sofisticados de planejamento — como o trust —, ele representa uma solução prática para evitar inventários e reduzir custos e burocracia em jurisdições estrangeiras. Quando bem estruturado e acompanhado de adequada conformidade fiscal no Brasil, o JTWRS permite unir eficiência sucessória internacional, privacidade patrimonial e racionalidade jurídica, configurando-se como um dos instrumentos mais simples, práticos e funcionais do direito anglo-saxão aplicável ao planejamento patrimonial global.

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