REFORMA TRIBUTÁRIA: ITCMD E CONSUMO

Tomás Carvalho

Tomás Carvalho

A intitulada “Reforma Tributária”, advinda do cenário de significativas mudanças no sistema fiscal
brasileiro trazidas pela Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023 (imposto sobre consumo e sobre a doação e herança no exterior) e Lei Complementar n. 214, de 16 de janeiro de 2025
(detalhamento dos tributos sobre consumo – bens e serviços), representa um novo panorama na
estrutura tributária para o país, mormente pela incorporação de novos tributos, tentativa de
simplificação de regimes e redistribuição de competências.
Como toda e qualquer mudança legislativa – e, nesse caso, também estrutural -, haverá impactos para
as empresas e contribuintes, mas também um cenário de oportunidades a serem exploradas.
Não nos cabe, aqui, analisar tais mudanças sob a ótica subjetiva de aprovação ou reprovação das
medidas, em especial, tecer críticas ou considerações técnicas a esse despeito. Mas sim apresentar de
forma objetiva e didática as modificações a serem implementadas e uma visão dos próximos passos.

  1. O ANTIGO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO SOBRE BENS E SERVIÇOS E SOBRE DOAÇÃO E HERANÇA


De acordo com o racional legislativo que fundamentou a implementação da Reforma Tributária, o
sistema fiscal brasileiro caracteriza-se por sua elevada complexidade, incentivando disputas
administrativas e judiciais e fomentando a guerra fiscal entre os estados.

A. Tributação sobre Bens e Serviços


Em relação à tributação sobre BENS E SERVIÇOS, o grande número de tributos, como ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, aliado a bases de cálculo e alíquotas distintas, bem como a multiplicidade de regulamentações, legislações e normas administrativas, torna o sistema excessivamente complexo, de difícil compreensão e sujeito a interpretações divergentes, gerando insegurança jurídica.


Além disso, a comutatividade tributária, as incertezas interpretativas sobre fato gerador, hipóteses de
incidência e base de cálculo, as dificuldades na compensação de créditos tributários e o elevado número de obrigações acessórias contribuem para o aumento da litigiosidade e impõem custos significativos aos contribuintes.


Por outro lado, a estrutura fiscal vigente, ao prever alíquotas diferenciadas entre estados e municípios
(como no caso do ICMS e do ISSQN) e impor regras rígidas de competência tributária, intensifica a
disputa entre os entes federativos pela atração de investimentos. Esse cenário não apenas acirra a
guerra fiscal, mas também resulta na concessão de benefícios tributários específicos, muitas vezes
questionáveis do ponto de vista jurídico e econômico.


B. Tributação sobre Doação e Herança no Exterior


Em relação à tributação sobre DOAÇÃO E HERANÇA, o art. 155, §1°, III, b da Constituição da República
Federativa do Brasil (“CRFB”) não concedeu aos Estados a competência para instituir o ITCMD nessa
hipótese, havendo a dependência, para tanto, da instituição de uma Lei Complementar nesse sentido.


Não obstante, permanece a tentativa dos Estados nessa cobrança, tornando litigiosa tal resistência.


No final de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal brasileiro (“STF”) decidiu, com repercussão geral, por maioria dos votos, pela não incidência de imposto sobre doação ou herança (“ITCMD”) em bens localizados no exterior, especialmente se o doador ou falecido (herança) não forem residentes
brasileiros. Com efeito, os temas (i) da tributação dos não residentes em relação aos bens e direitos localizados no território brasileiro e (ii) da regra de tributar a totalidade das transmissões efetuadas por
transmitentes nele domiciliados, incluindo as de bens localizados no exterior, não podem ser tratados
unilateralmente pelos estados e pelo Distrito Federal.


Portanto, por falta de Lei Complementar específica, não incide ITCMD nas hipóteses em que o doador ou falecido tenha residência no exterior, ou, se residente no Brasil, o objeto da doação seja um bem imóvel situado no exterior; ou o Inventário e Partilha seja processado no exterior ou, mesmo que processado no Brasil, tenha por objeto bem móvel ou imóvel localizado no exterior.


Por outro lado, cada Estado tem liberdade para definir a sua alíquota, entre o mínimo de 4% e o máximo
de 8%, podendo fazê-lo de forma fixa ou progressiva, uniforme ou baseado em faixas específicas de base de cálculo.

2. PRINCIPAIS MUDANÇAS NA TRIBUTAÇÃO SOBRE BENS E SERVIÇOS


A Emenda Constitucional 132/2023 instituiu o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo, posteriormente detalhados pela Lei Complementar n. 214, de 16 de janeiro de 2025; tudo, em substituição ou unificação dos tributos anteriores ou na instituição de nova modalidade tributária.


Pelo novo modelo legislativo, houve a redução de cinco tributos em dois (mantendo-se o caráter
extrafiscal/regulatório do IPI em uma nova modalidade tributária criada).


Assim, instituiu-se o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, de competência estadual e municipal, unificando o ICMS e o ISS; e o CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal, em substituição ao PIS, COFINS e IPI.

Houve, ainda, a instituição do IS (Imposto Seletivo), visando tributar bens e serviços considerados
prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, já tendo definição prévia de sua aplicação para as seguintes
atividades/bens: veículos, embarcações e aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcóolicas, bebidas
açucaradas, bens minerais e concursos de prognósticos e fantasy sport.

O objetivo é que a cobrança extra — popularmente conhecida como “imposto do pecado” — desestimule o consumo desses produtos. Essas alíquotas ainda precisarão ser definidas futuramente, em leis ordinárias específicas.

Com dito, no intuito de correção de algumas “falhas tributárias” no sistema fiscal brasileiro, a nova
legislação pretendeu trazer algumas melhorias:

“FALHA” DO SISTEMA FISCAL ANTERIORMODIFICAÇÃO LEGISLATIVA
Complexidade do Sistema e multiplicidade de
tributos
– Redução e unificação/concentração de
tributos, passando de 5 para 2.

– Criação de uma única legislação para
concentrar e uniformizar as regras tributárias
sobre bens e consumo (com exceção da alíquota,
que será definida por cada ente).
Guerra Fiscal– Aplicação de uma alíquota padrão de
referência.

– Tributação no local do consumo (local da
entrega do bem ou da prestação do serviço).
Litigiosidade (sobre interpretação ou sobre a
aplicação de regras, comutatividade de tributos e
compensação).
– Não cumulatividade plena do IBS e CBS.

– Possibilidade de apropriação imediata de
créditos em operações do IBS e da CBS.

– Definição de base ampla para afastar as
discussões entre incidência de ISSQN e ICMS, com a incidência sobre bens materiais e imateriais (inclusive direitos) e serviços.

IBS e CBS não compõem a própria base de
cálculo, acabando com o gross up.

Foram criados, ainda, regimes diferenciados, regimes específicos e sistema de cashback para famílias
de baixa renda, assim estruturado:

REGIMES DE EXCEÇÃOATIVIDADES/BENS
REGIMES DIFERENCIADOS
(Setores e/ou produtos
que contam com
alíquotas reduzidas ou
créditos presumidos)
Redução em 30%
(Prestação de serviços de
profissão intelectual, de
natureza científica, literária
ou artística, desde que
submetidas a fiscalização
por conselho profissional)
– Administradores;
– Advogados;
– Arquitetos e urbanistas;
– Assistentes sociais;
– Bibliotecários;
– Biólogos;
– Contabilistas;
– Economistas;
– Economistas domésticos;
– Profissionais de educação física;
– Engenheiros e agrônomos;
– Estatísticos;
– Médicos veterinários e zootecnistas;
– Museólogos;
– Químicos;
– Profissionais de relações públicas;
– Técnicos industriais;
– Técnicos agrícolas
Redução em 60%
(Nas alíquotas dos tributos
mencionados para
operações com bens e
serviços considerados
essenciais, culturais ou
estratégicos, atendidos
critérios específicos)
– Alimentação, educação, saúde e transporte público,
medicamentos;

– Produções nacionais artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais;

– Serviços de comunicação institucional;

– Serviços relacionados a atividades desportivas;

– Bens e serviços relativos à soberania, segurança nacional, segurança da informação e cibernética.
Redução a Zero
(Visa promover o acesso a
bens e serviços essenciais)
– Dispositivos médicos;

– Dispositivos de acessibilidade próprios para pessoas com deficiência;

– Medicamentos;

– Produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;

– Produtos hortícolas, frutas e ovos;

– Automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência ou com
transtorno do espectro;

– Automóveis de passageiros adquiridos por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (taxi);

– Serviços prestados por instituição científica, tecnológica e de inovação sem
fins lucrativos;

– Cestas básicas de alimentos.
REGIMES ESPECÍFICOS

(Foram criados, ainda,
alguns regimes
específicos para
determinados setores, a
exemplo dos listados ao
lado)
– Operações com bens imóveis;
– Combustíveis (óleo e gás);
– Serviços financeiros;
– Planos de assistência à saúde;
– Concurso de prognósticos;
– Bares e restaurantes;
– Hotelaria, agências de turismo e parques;
– Transporte coletivo de passageiros.
ISENÇÃO DE IBS E CBS– O produtor rural pessoa física ou jurídica que auferir receita inferior a
R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) no ano-calendário e
o produtor rural integrado não serão considerados contribuintes do IBS e
da CBS.
SISTEMA DE CASHBACK

(Devolução, nos termos e
limites da lei, de CBS e IBS
relativo aos serviços
adiante listados, para
pessoas físicas
integrantes de famílias de
baixa renda – renda
familiar de até meio
salário mínimo per capta,
com CPF regular e
residência no Brasil)
– Energia Elétrica;
– Abastecimento de água;
– Esgotamento sanitário;
– Gás de cozinha;
– Serviços de telecomunicações.

Com o objetivo de garantir que a arrecadação dos novos tributos mantenha o nível dos atuais PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI, estabeleceu-se o chamado “Período Transitório”. O IBS terá uma implementação gradual, coexistindo com o ICMS e o ISS por quatro anos, devido às suas características específicas.

Em 2026, a CBS e o IBS serão testados nacionalmente, sem recolhimento efetivo. Durante esse período,
as empresas deverão destacar na nota fiscal um valor correspondente a 0,9% de CBS sobre o produto
vendido e 0,1% de IBS.


A partir de 2027, entra em vigor o Imposto Seletivo. Nesse mesmo ano, inicia-se a cobrança efetiva da
CBS federal, com a extinção dos seguintes tributos: PIS, Cofins, IOF/Seguros e a isenção de IPI, exceto para


produtos industrializados na Zona Franca de Manaus. A fase de transição será concluída em 2033, quando o IBS e a CBS serão plenamente implementados.

O saldo credor de PIS/COFINS existente na data da sua extinção poderá ser ressarcido ou compensado
com a CBS ou outros tributos federais. As regras para aproveitamento do saldo credor de ICMS existente
no fim do período de transição (2032), incluindo hipóteses de ressarcimento e transferência a terceiros,
não foram abordadas na Lei Complementar n. 214/2025 (em discussão no PLP 108/2024).

  1. PRINCIPAIS MUDANÇAS NA TRIBUTAÇÃO SOBRE DOAÇÃO E HERANÇA NO EXTERIOR

Promulgada no dia 20 de dezembro de 2023, a Emenda Constitucional n. 132/2023, que, como visto, traz alterações estruturais ao sistema tributário nacional no que diz respeito à tributação do consumo,
estabeleceu de maneira tímida e bem “escondida”, as novas regras para o Imposto sobre
Transmissão causa mortis e Doação (“ITCMD”) sobre operações internacionais.


Com efeito, deu-se a “regulamentação” para a matéria constitucional, determinando-se que o imposto
passará a incidir com base em alíquotas progressivas, de acordo com o valor dos bens transmitidos.


A progressividade já foi instituída em diversas legislações estaduais, mas existem Estados relevantes –
como Minas Gerais São Paulo – que ainda adotam alíquotas fixas. Diversos detalhes relacionados à
reforma ainda dependerão da edição de lei complementar, ainda não aprovada.


No caso do ITCMD para operações internacionais de doação e herança, a EC 132/2023 reafirma a
necessidade de edição de Lei Complementar para tratamento do tema, porém, já apresenta uma
“prefixação de regras” a serem observadas. Desse modo, na prática, a EC 132/2023 já cuida de disciplinar o que a Lei Complementar eventualmente o faria.


Com efeito, sendo a Emenda Constitucional norma hierarquicamente superior à lei Complementar, e já
se prestando ao tratamento da matéria, surge a fundada dúvida sobre a possibilidade de os Estados já
promoverem a cobrança do ITCMD em operações no exterior (inventário e partilha; e doação).

Independentemente, apresenta-se abaixo as novas regras a serem observadas, trazidas pela EC
132/2023 para a tributação pelo ITCMD em operações de herança ou doação no exterior:

INCIDÊNCIAREGRAS
Inventário e Partilha
processado no exterior
– Se tem por objeto bens no exterior: ITCMD cobrado no domicílio do de cujus;

– Se o de cujus for domiciliado no exterior: ITCMD cobrado no Domicílio do sucessor.
Doação
realizada no exterior
– Se tem por objeto bem imóvel: ITCMD cobrado no Estado onde se encontra o bem;

– Se o Doador for estrangeiro: ITCMD cobrado no domicílio do donatário;

– Se ambos foram estrangeiros: ITCMD cobrado no Estado onde se encontra o bem.
  1. O ANTIGO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO SOBRE BENS E SERVIÇOS E SOBRE DOAÇÃO E HERANÇA

A nova legislação que tratou da tributação sobre o consumo apresentou, a princípio, oportunidades para compensações tributárias e creditamento; maior transparência na cadeia produtiva ensejando melhor competitividade; e modernização de sua estrutura, com a adoção de sistemas digitais para otimização de recolhimento.


Todavia, a insegurança jurídica nesse período de transição e adaptação, e os necessários investimentos
em treinamento e tecnologia demandam a atenção das empresas e contribuintes.

Da mesma forma, as mudanças nas regras de tributação sobre operações de doação e herança no
exterior devem ser consideradas pelos interessados, especialmente aqueles que detém estruturas
offshore ou recursos ou investimentos no exterior.


Essas atenções representam a necessidade de análise e adequação das estruturas à nova realidade,
para repensar ou remodelar a estratégia de planejamento societário, tributário e/ou patrimonial-sucessório, a fim de se manter a pretendida eficiência econômica-tributária, redução de riscos, antever e planejar as consequências e reduzir/otimizar os custos financeiros e não-financeiros associados.


Assim, pela complexidade do tema, pela necessidade de análise individual de cada situação e pelas
necessárias explicações adicionais, a nossa equipe legal está à disposição para orientações,
treinamentos, respostas a consultas ou revisão/estruturação de planejamentos estratégicos, conforme
for a demanda necessária.

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