Proposta de Reforma do Art. 421 do Código Civil e a Potencialidade de Recrudescimento da Judicialização de Contratos

Tomás Carvalho

Tomás Carvalho

Dando seguimento ao texto intitulado “Do Anteprojeto ao Projeto de Reforma do Código Civil: Análise Inicial”, neste texto desceremos às minúcias do Projeto de Reforma do Código Civil – a partir deste ponto tratado unicamente como PL 04/2025 – discorrendo acerca da proposta de modificação do art. 421.

O art. 421 do Código Civil ora em vigência assim estipula:

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. 

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: 

I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;

II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e 

III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. 

Não se pode descuidar do fato de que o mencionado art. 421 do Código Civil sofreu alterações muito recentemente, no ano de 2019, via Lei n. 13.874, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica. Esta e o PL 04/2025 têm o mesmo objetivo declarado, qual seja, a proteção da liberdade contratual – muito embora o que se tenha obtido, no texto da reforma, esteja longe de assegurar tal liberdade. Ao revés, tem o condão de criar diversos empecilhos à efetivação de tal liberdade.

E a importância do mencionado art. 421 salta aos olhos ao se constatar estar ele posicionado no topo do capítulo da codificação civilista que contém disposições gerais sobre relações contratuais, aplicáveis não só a contratos civis, mas também a contratos empresariais. Ou seja, quaisquer alterações nesse dispositivo têm o condão de gerar impactos significativos sobre todas as relações contratuais, desde locações, perpassando por compras e vendas, até joint ventures, comodatos e contratos de leasing.

Se aprovada a proposta de reforma legislativa como posta, o art. 421 do Código Civil sofrerá enorme modificação, de modo que dos atuais  02 (dois) dispositivos – art. 421 e art. 421-A – passaremos a ter 07 (sete) – sem considerar incisos e parágrafos: isto porque a reforma prevê a manutenção dos ditos arts. 421 e 421-A, além da inclusão dos arts. 421-B ao art. 421-F!

Não bastasse o número expressivo, as proposições contidas nesses dispositivos são marcadas por atecnicas – as quais permeiam todo o PL 04/2025, como já alertaram Judith Martins-Costa, Fabio Floriano Melo Martins, Mariana Conti Craveiro, Rafael Branco Xavier[1], Vera Jacob de Fradera[2], Guilherme Carneiro Monteiro Nitschke[3] e Marcelo Trindade[4], doutrinadores civilistas de grande renome.

Por ora, foquemos apenas no art. 421, propriamente dito, deixando para outras oportunidades o tratamento sobre as diversas letras do alfabeto que o acompanham. Vejamos o texto desse dispositivo em sua íntegra:

Art. 421. ……………………………………………………………………….

§ 1° Nos contratos civis e empresariais, paritários, prevalecem o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.

§ 2° A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito[5].

Ao substituir o parágrafo único do art. 421 por dois parágrafos, o PL 04/2025 cria, ao menos, dois problemas.

O primeiro deles diz respeito à prevalência da excepcionalidade da revisão contratual e da aplicação do princípio da intervenção mínima: tais medidas se tornariam regras apenas no que diz respeito a contratos tidos por paritários. Então, há que se concluir, de forma preliminar, que em contratos os quais não forem considerados paritários, o PL 04/2025 autoriza o contrário, ou seja, máxima intervenção e revisão constante.

O segundo problema diz respeito à atribuição de nulidade a cláusula contratual que violar a função social do contrato. Isto porque não há sequer consenso doutrinário e/ou jurisprudencial acerca do conceito de função social do contrato. Ainda, o projeto confunde os planos de validade e de eficácia do negócio jurídico: muito embora faça menção expressa à “nulidade” da cláusula contratual violadora, o PL 04/2025 invoca consequências que mais se aproximam da eficácia do contrato – esta percebida como os efeitos pretendidos pelas partes, os quais podem não ser alcançados em razão de alguns obstáculos, que não previstos em normas cogentes. Dentre esses obstáculos poderia estar a violação da função social do contrato – caso, repita-se, o conceito desta estivesse pacificado, o que está longe de ocorrer[6].

Perceba, caro leitor, que se efetivadas, as propostas ora em destaque tem o condão de recrudescer a judicialização das discussões acerca da interpretação contratual, em demandas as quais versarão sobre possível revisão contratual e/ou sobre possível declaração de invalidade de uma cláusula contratual. E mais, caro leitor: a menção à função social do contrato cria trunfo argumentativo que, por ser deveras amplo, cria um sem número de possibilidades argumentativas no bojo de processos que discutem relações contratuais.

O resultado prático do PL 04/2025, portanto, pode ser catastrófico para as relações contratuais.

Nos próximos textos desta Coluna, lançaremos luzes sobre os muitos outros dispositivos enumerados como art. 421 – da letra A à letra F.


[1]      MARTINS-COSTA, Judith et al. O que é um Código Civil? Boletim IDiP-IEC, online, mar. 2025. Disponível em: https://canalarbitragem.com.br/boletim-idip-iec/o-que-e-um-codigo-civil/. Acesso em: 14 mai. 2025.

[2]     FRADERA, Vera Jacob de. O anteprojeto de reforma do Código Civil brasileiro, codificação ou recodificação, eis a questão! Boletim Idip-Iec, Online, n. XXV, p. 1-7, jul. 2024. Disponível em: https://canalarbitragem.com.br/boletim-idip-iec/xxv/. Acesso em: 20 fev. 2025.

[3]     NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro. Uma reforma apressada na disciplina da interpretação contratual? Consultor Jurídico, online, mai. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-mai-09/uma-reforma-apressada-na-disciplina-da-interpretacao-contratual/. Acesso em: 14 mai. 2025.

[4]     TRINDADE, Marcelo. A Reforma do Código Civil e os Contratos. Boletim IDiP-IEC, online, jun. 2024. Disponível em: https://canalarbitragem.com.br/boletim-idip-iec/xxii/. Acesso em: 14 mai. 2025.

[5]     SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 4, de 2025. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/166998. Acesso em: 14 mai. 2025.

[6]     MARTINS-COSTA, Judith. Reflexões sobre o princípio da função social dos contratos. Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 41-66, 2005. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/revdireitogv/article/view/35261. Acesso em: 07 set. 2024.

Publicações relacionadas

A Tokenização de Ativos e a Manutençãodo Diferimento Tributário nas Operações Offshores

leia mais

Planejamento Internacional em Foco

leia mais

Do Anteprojeto ao Projeto de Reforma do Código Civil: Análise Inicial

leia mais
ver todos