Brasileiros Residentes nos Estados Unidos: Cuidados com bens e renda no Brasil e no Exterior

O número de brasileiros que se mudam para os Estados Unidos vem crescendo nos últimos anos. Muitos adquirem o green card e passam a ser considerados residentes fiscais norte-americanos, o que traz consequências relevantes na forma de declarar e tributar bens e rendimentos, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
Neste artigo, tratamos dos principais cuidados que o brasileiro precisa ter ao se tornar residente fiscal nos EUA e, ao mesmo tempo, dos reflexos que podem surgir se não formalizar a sua saída fiscal do Brasil.
Com efeito, a falta de planejamento pode gerar bitributação, ineficiência tributária, multas e insegurança jurídica. Já um planejamento adequado, estruturado em conformidade com as regras do Brasil e dos EUA, permite otimizar a carga tributária e organizar a sucessão patrimonial.
1. RESIDÊNCIA FISCAL NOS ESTADOS UNIDOS
Nos termos da legislação tributária norte-americana, o indivíduo que detenha green card é considerado residente fiscal nos Estados Unidos (U.S. tax resident), sujeitando-se à tributação sobre sua renda mundial (worldwide income). Consequentemente, todos os rendimentos, inclusive os provenientes de fontes situadas no Brasil, devem ser reportados ao Internal Revenue Service (IRS).
Um residente fiscal nos EUA que detenha participação em sociedade estrangeira pode, em determinadas circunstâncias, estar sujeito ao regime do Global Intangible Low-Taxed Income – GILTI, introduzido pela reforma tributária norte-americana de 2017 (Tax Cuts and Jobs Act – TCJA). O GILTI aplica-se a sócios residentes nos EUA de Controlled Foreign Corporations – CFCs (sociedades estrangeiras controladas), obrigando-os a tributar nos EUA parte dos lucros não distribuídos dessas sociedades, ainda que não recebam dividendos.
Cumpre observar que, em razão da inexistência de tratado para evitar a dupla tributação entre Brasil e Estados Unidos, eventual imposto pago no Brasil somente poderá ser compensado de forma limitada nos EUA por meio do foreign tax credit, o que pode conduzir a bitributação parcial.
Para fins da legislação tributária dos EUA, uma CFC é qualquer sociedade estrangeira em que:
- mais de 50% do valor total das ações ou dos direitos de voto sejam detidos, direta ou indiretamente, por U.S. Shareholders; e
- U.S. Shareholder é definido como todo cidadão ou residente dos EUA (incluindo green card holders) que possua, direta ou indiretamente, 10% ou mais do valor ou dos direitos de voto das ações.
Caso uma sociedade seja qualificada como CFC, seus lucros podem ser atribuídos aos U.S. Shareholders independentemente de distribuição de dividendos, por meio dos regimes de inclusão obrigatória de rendimentos denominados Subpart F Income e GILTI.
Na prática, o residente fiscal nos EUA não consegue diferir indefinidamente a tributação de lucros retidos em empresas estrangeiras controladas.
Não obstante a inexistência de tributação imediata sobre lucros não distribuídos, caso não configurada a CFC, o U.S. Tax Residence pode estar sujeito a obrigações de reporte perante o IRS e outras autoridades norte-americanas, notadamente:
- Form 5471 (Information Return of U.S. Persons With Respect to Certain Foreign Corporations): aplicável a diversos cenários de participação societária, inclusive quando a sociedade não se qualifica como CFC;
- FBAR (FinCEN Form 114) e *FATCA – Form 8938: obrigatórios em caso de manutenção de contas bancárias, ativos financeiros ou participações que excedam determinados limites de valor fixados pela legislação.
Portanto, caso seja configurada a CFC, o lucros provenientes de fontes estrangeiras podem ser atribuídos aos U.S. Tax Residents independentemente de efetiva distribuição de dividendos, por meio dos regimes de inclusão obrigatória de rendimentos denominados Subpart F Income e GILTI
Caso não seja configurada a CFC, a tributação nos Estados Unidos ocorrerá apenas quando houver distribuição de dividendos. Estes serão tratados como ordinary dividends, tributados à taxa de renda ordinária aplicável à sua faixa de renda (até 37% federal). Além disso, incide o Net Investment Income Tax – NIIT (3,8%) se a renda superar certos limites (US$ 250.000 para casados declarando em conjunto). Persistem, contudo, as obrigações de reporte fiscal nos EUA, especialmente o Form 5471, o FBAR e o Form 8938, a depender da materialidade e da estrutura patrimonial.
2. RISCOS DE BITRIBUTAÇÃO E SAÍDA FISCAL DEFINITIVA
Um aspecto relevante é que Brasil e Estados Unidos não possuem tratado para evitar a bitributação. Assim, o imposto pago em um país só pode ser compensado de forma limitada no outro, o que pode gerar tributação dupla sobre a mesma renda.
Por exemplo:
- Dividendos recebidos no Brasil são isentos de IR para pessoa física brasileira, mas, nos EUA, serão tratados como ordinary dividends, tributados até 37%, podendo haver o acréscimo do Net Investment Income Tax (3,8%).
- Juros e aplicações financeiras também sofrem retenção no Brasil (15%) e voltam a ser tributados nos EUA, com crédito limitado.
Uma das formas de se evitar tais riscos é mediante a formalização da saída fiscal definitiva do Brasil.
Muitos brasileiros que se mudam para os EUA não formalizam a saída fiscal definitiva junto à Receita Federal. Isso gera obrigações e riscos:
- Continuam sendo considerados residentes fiscais no Brasil.
- Precisam declarar à Receita Federal – e recolher imposto sobre – toda a renda mundial, inclusive salários, dividendos e investimentos obtidos nos EUA.
- Ficam sujeitos a multas e autuações se não informarem corretamente.
Quanto à obrigação tributária no Brasil, o residente fiscal no país deverá recolher o devido imposto à alíquota pertinente ao tipo de receita auferida nos Estados Unidos, conforme quadro-resumo abaixo:
TIPO DE RENDIMENTO ESTRANGEIRO | ALÍQUOTA/BASE DE CÁLCULONO BRASIL | OBSERVAÇÕES/CRÉDITOS |
Salário de empresa americana | IRPF progressivo (0% a 27,5%) sobre o salário bruto | Crédito limitado pelo imposto pago nos EUA (art. 23 Lei 9.249/95); conversão para reais na data do recebimento; tributação brasileira prevalece sobre toda renda de trabalho |
Dividendos de empresa americana (pessoa física) | 15% sobre rendimento bruto (Lei 14.754/23, Art. 7º e 10) | Incide mesmo sem repatriação; crédito limitado pelo imposto pago nos EUA; se não qualificados, tributados como ordinary dividends nos EUA |
Juros e aplicações financeiras no exterior | 15% sobre rendimento bruto (Lei 14.754/23) | Aplica-se mesmo sem repatriação; crédito limitado pelo imposto pago nos EUA |
Ganhos de capital na venda de participações estrangeiras | Geralmente 15% (Lei 14.754/23) | Base de cálculo convertida para reais; crédito limitado; atenção à classificação de ações negociadas em bolsa ou não |
Portanto, para se evitar a obrigação burocrática de reporte e as consequências tributárias no Brasil de renda ativa ou passiva auferida no exterior, a formalização da saída fiscal definitiva junto à Receita Federal do Brasil pode ser uma solução.
A partir da comunicação formal de saída definitiva, Maria Carolina não será mais considerada residente fiscal no Brasil para fins de IRPF sobre renda mundial. Deste modo, apenas os rendimentos de fonte brasileira continuam sujeitos à tributação após a saída definitiva, retidos na fonte; eliminando-se a obrigação sobre renda passiva ou ativa americana ou estrangeira.
Fluxo de Saída Fiscal Definitiva do Brasil:
i. Enviar Comunicado de Saída Definitiva do País à Receita Federal via e-CAC ou presencial.
ii. Declaração de Saída Definitiva do IRPF:
– Declarar todos os rendimentos auferidos até a data da saída: (Salários, dividendos, juros, ganhos de capital no Brasil e no exterior.)
– Informar bens e direitos existentes até a data da saída.
– Declarar impostos pagos ou retidos.
– Prazo: no ano-calendário seguinte à saída.
iii. Apuração do eventual imposto devido:
– Receita calcula o IRPF final sobre renda mundial até a data de saída.
– Pagamento do imposto em uma ou mais parcelas, conforme regras da Receita.
iv. Entrega e protocolo da declaração:
– Receber comprovante oficial da Receita aceitando a declaração.
– Guardar documentação como prova da saída fiscal.
v. Cumprimento de obrigações pós-saída: a partir da saída definitiva, Maria Carolina é tributada apenas sobre renda de fonte brasileira. Não há mais tributação no Brasil sobre salários, dividendos ou aplicações financeiras no exterior.
A saída definitiva é formalizada com a entrega da Comunicação de Saída Definitiva e da Declaração de Saída Definitiva. A partir desse momento, a pessoa só será tributada no Brasil sobre rendimentos de fonte brasileira, com retenção exclusiva na fonte.
3. IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO-SOCIETÁRIO INTERNACIONAL
Diante desse cenário, é importante observar que existem estruturas societárias e tributárias estratégias a serem implementadas, no Brasil e/ou Estados unidos, tributárias destinadas a:
- Reduzir os riscos de bitributação;
- Evitar a duplicidade de obrigações burocráticas perante Brasil e Estados Unidos;
- Otimizar a carga tributária sobre rendimentos recebidos no exterior ou remetidos do Brasil;
- Promover uma organização patrimonial e sucessória mais eficiente.
Cada caso deve ser analisado individualmente, considerando a composição do patrimônio, o perfil da renda e os objetivos de longo prazo da família. No entanto, essa organização da estrutura patrimonial e revisão de atos se torna imprescindível para o alcance de eficiência tributária, proteção dos ativos, otimização de gestão e mesmo para eficiência sucessória.
4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O brasileiro que se torna residente fiscal nos Estados Unidos precisa estar atento a duas frentes:
Nos EUA:
- Declarar sua renda mundial, inclusive bens e participações no Brasil.
- Avaliar riscos de CFC, GILTI e obrigações de reporte.
No Brasil:
- Avaliar a formalização da saída definitiva para não permanecer como residente fiscal e evitar dupla tributação sobre rendas obtidas no exterior.
- Entender que, após a saída, só haverá tributação no Brasil sobre rendimentos de fonte brasileira.
A falta de planejamento pode gerar bitributação, multas e insegurança jurídica. Já um planejamento adequado, estruturado em conformidade com as regras do Brasil e dos EUA, permite otimizar a carga tributária e organizar a sucessão patrimonial.