A Tokenização de Ativos e a Manutençãodo Diferimento Tributário nas Operações Offshores

Estruturas Offshore como Estratégia de Planejamento Patrimonial
Uma das estratégias de investimento financeiro comumente utilizadas por brasileiros nas últimas décadas é a constituição de estruturas offshore como veículos de investimento, viabilizando o acesso a mercados – e ativos – internacionais, a proteção contra o chamado “risco-Brasil” e a volatilidade do mercado doméstico, além de promover uma gestão mais eficiente do capital alocado no exterior.
Essa estrutura, frequentemente organizada sob a forma de Private Investment Companies (PICs), também proporcionava benefícios relevantes em termos de planejamento tributário e sucessório.
A utilização de empresas offshore era considerada uma forma legítima e eficaz de realizar investimentos no exterior, sobretudo em razão da possibilidade de diferimento tributário, até então amparada pela legislação brasileira.
O Diferimento Tributário
O diferimento tributário consiste na postergação do momento de incidência do imposto sobre os lucros
auferidos no exterior. Em outras palavras, embora os rendimentos fossem registrados contabilmente (sob o regime de competência) pela empresa offshore, o imposto brasileiro só era exigido quando (e se) os lucros fossem efetivamente distribuídos ao sócio residente no Brasil (regime de caixa). Caso o investidor optasse por reinvestir os lucros no exterior, não havia incidência imediata do Imposto de Renda.
Importa destacar que essa estrutura não configurava evasão fiscal, tampouco fraude. Tratava-se de um
instrumento legítimo de planejamento tributário, com respaldo em normas anteriormente vigentes, cuja
lógica era apenas postergar o momento da tributação, sem eliminá-la.
Até porque, caso o investimento fosse realizado diretamente na pessoa física, os rendimentos estariam
sujeitos à tributação imediata, sendo o imposto recolhido por meio do “e-Cac mensal”, o que tornava a
estrutura por meio de empresa offshore substancialmente mais vantajosa sob a ótica tributária.
O Impacto da Lei n. 14.754/23 e da IN RFB n. 2.180/24
A edição da Lei n. 14.754/23, em dezembro de 2023, promoveu uma profunda reformulação na forma de tributação dos rendimentos auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil no exterior. A norma
estabeleceu que, a partir de 1º de janeiro de 2024, os lucros apurados por entidades controladas no exterior (como as empresas offshores) passarão a ser tributados independentemente de sua distribuição, rompendo com o regime anterior de diferimento tributário.
A nova sistemática prevê a tributação dos rendimentos de aplicações financeiras e lucros de entidades no exterior à alíquota uniforme de 15%, sem distinção quanto à efetiva remessa dos valores ao Brasil. Na prática, o regime de caixa foi substituído pelo regime de competência para efeitos fiscais.
Com o objetivo de regulamentar essa nova legislação, foi editada a Instrução Normativa RFB n. 2.180/24, que definiu, entre outros aspectos, o que se entende por “aplicações financeiras no exterior”, incluindo criptoativos, carteiras digitais, depósitos bancários remunerados e apólices de seguro resgatáveis. A IN também tratou das regras de atualização de bens no exterior e da tributação da variação cambial.
A consequência prática dessa alteração legislativa foi clara: a extinção do diferimento tributário para
investimentos realizados por meio de entidades offshore, tornando o planejamento internacional do
patrimônio consideravelmente menos eficiente sob o ponto de vista fiscal.
A Tokenização de Ativos como Solução à Manutenção do Diferimento
Diante desse novo cenário regulatório, a tokenização de ativos surge como uma solução inovadora e viável para a manutenção da eficiência tributária, especialmente quanto à possibilidade de diferimento do imposto sobre os rendimentos auferidos no exterior.
A tokenização consiste na conversão de ativos reais ou financeiros em tokens digitais registrados em
blockchain. Esses ativos podem ser corpóreos ou incorpóreos – como imóveis, participações societárias, commodities, obras de arte ou propriedade intelectual –, que passam a ser representados por um registro digital seguro, transparente e auditável.
O token, portanto, funciona como uma representação digital do ativo, assegurando ao seu titular os direitos sobre ele. A grande vantagem está na capacidade de fracionar, transferir, custodiar e administrar esses ativos com maior flexibilidade, menor custo e maior privacidade, inclusive para fins sucessórios.
O aspecto mais relevante, entretanto, reside no seguinte ponto: a própria Receita Federal, ao disciplinar o fim do diferimento tributário sobre estruturas tradicionais, admitiu expressamente a manutenção do
diferimento quando os ativos forem organizados por meio de arranjos financeiros digitais, como os tokens.
Ou seja, o diferimento foi extinto para offshores tradicionais, mas mantido para certas formas de ativos
digitais tokenizados.
A TDO – Tokenized Digital Offshore
Neste contexto, surge a TDO (Tokenized Digital Offshore) como um arranjo jurídico e tecnológico sofisticado que viabiliza a manutenção de uma estrutura patrimonial internacional com os benefícios anteriormente atribuídos às offshores.
A TDO permite a constituição de um “ambiente” digital de investimento, no qual ativos reais são
representados por tokens e mantidos sob custódia apropriada, conforme exigido pela legislação para fins de diferimento. Desde que a estrutura observe os requisitos legais – especialmente no que diz respeito à não caracterização como pessoa jurídica –, o token poderá manter o tratamento tributário mais benéfico, inclusive com diferimento da tributação.
Entretanto, é preciso atenção: embora os tokens não sejam, por natureza, pessoas jurídicas, o uso de
arranjos que assumam características similares às de uma entidade corporativa, com estrutura de
governança, autonomia patrimonial e fins próprios, pode induzir a Receita Federal a requalificá-los como tais, exigindo que cumpram as obrigações formais das entidades jurídicas tradicionais. Tal interpretação é amparada pela própria Lei n. 14.754/23, que busca coibir a utilização de artifícios para burlar a sistemática de tributação introduzida.
Para que se alcancem os benefícios fiscais previstos na Instrução Normativa RFB n. 2.180/24, é necessário mais do que o uso de tecnologia ou inovação digital. É imprescindível a existência de uma estrutura robusta, que compreenda uma custódia estrangeira devidamente licenciada e regulada, combinada à emissão de tokens com efetivo lastro patrimonial.
Essa estrutura deve ser concebida como uma alternativa eficiente às formas societárias tradicionais, sem, contudo, reproduzir ou simular os elementos que as caracterizam como pessoas jurídicas. A distinção entre a natureza do token e a de uma entidade corporativa deve ser rigorosamente preservada, sob pena de requalificação fiscal por parte da Receita Federal.
Considerações Finais
O fim do diferimento tributário para estruturas offshore tradicionais representa uma mudança de paradigma na forma como brasileiros estruturam seus investimentos no exterior. A tokenização de ativos, por meio de soluções como a TDO, apresenta-se como alternativa legítima, eficiente e tecnologicamente avançada para viabilizar a continuidade de uma gestão patrimonial internacional com eficiência fiscal.
A conformidade com as exigências legais – especialmente quanto à custódia dos ativos e à natureza não corporativa dos tokens – será essencial para a manutenção dos benefícios tributários, notadamente o diferimento do Imposto de Renda. Trata-se, portanto, de uma transição do planejamento patrimonial
tradicional para uma era de infraestruturas digitais reguladas e integradas à legislação tributária brasileira.
Mantêm-se, assim, por meio da estrutura oferecida pela TDO, os benefícios tradicionalmente associados ao investimento no exterior — como o acesso a mercados mais estáveis, a diversificação de ativos e a mitigação do chamado risco-Brasil —, ao mesmo tempo em que se preservam o diferimento tributário e os elevados padrões de segurança e privacidade das operações.