IRREVOCABLE TRUST E SUA EFICÁCIA NO PLANEJAMENTO PATRIMONIAL, SUCESSÓRIO E TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL

- INTRODUÇÃO
A busca pela internacionalização dos patrimonios familiares e empresariais impôs novos desafios aos planejamentos sucessórios e tributários, especialmente diante da necessidade de conciliar segurança jurídica, privacidade, eficiência sucessória e fiscal e proteção intergeracional dos ativos. Nesse contexto, os trusts — institutos típicos do sistema de common law — vêm ganhando espaço como instrumento de alta sofisticação e utilidade prática, sobretudo quando utilizados de forma lícita, estruturada e compatível com os princípios do ordenamento jurídico brasileiro.
O trust, em sua essência, constitui uma relação jurídica fiduciária por meio da qual o instituidor (settlor ou grantor) transfere a titularidade de determinados bens ou direitos a um terceiro (trustee), que passa a administrá-los em benefício de um ou mais beneficiários, segundo as disposições de um instrumento constitutivo (deed of trust). Não se trata, pois, de pessoa jurídica, sociedade ou fundo, mas de um vínculo contratual fundado na confiança e disciplinado pelas leis do país de sua constituição.
Dentre as modalidades existentes, o Irrevocable Trust (trust irrevogável) destaca-se por proporcionar a efetiva segregação patrimonial entre o instituidor e os bens transferidos, conferindo maior robustez jurídica às estratégias de proteção e sucessão patrimonial. Por não admitir revogação nem controle direto pelo instituidor, este tipo de trust é amplamente utilizado em jurisdições de common law como mecanismo legítimo de blindagem patrimonial, planejamento sucessório e otimização tributária.
No Brasil, contudo, a ausência de previsão normativa específica acerca dos trusts — aliada à natureza híbrida e contratual do instituto — tem gerado relevantes controvérsias sobre sua qualificação jurídica e o respectivo tratamento fiscal. A promulgação da Lei n. 14.754/2023, ao regulamentar a tributação de bens e direitos mantidos no exterior, reacendeu o debate, ao mesmo tempo em que a Solução de Consulta COSIT n. 75/2025 procurou preencher, ainda que de forma questionável, as lacunas interpretativas deixadas pela legislação.
O presente artigo busca, portanto, examinar o Irrevocable Trust como (ainda) um mecanismo eficiente de planejamento patrimonial, sucessório e tributário, analisando sua natureza jurídica, o seu enquadramento à luz da legislação brasileira e os equívocos conceituais e técnicos contidos na Solução de Consulta COSIT n. 75/2025. Pretende-se, assim, demonstrar que a correta compreensão do instituto é essencial para evitar distorções interpretativas e assegurar coerência entre a soberania das jurisdições de origem e os princípios do direito tributário nacional.
II. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE TRUST
Os Trusts são estruturas contratuais por meio das quais determinada pessoa (“Settlor” ou “Grantor”) transfere a propriedade de determinados ativos a um terceiro (“Trustee”), por meio de doação ou empréstimo, quem passa a administrar os bens recebidos no interesse de determinado(s) beneficiário(s) escolhido(s) pelo Settlor – podendo, inclusive, ser o próprio Settlor (enquanto este viver) e/ou terceiros por este indicados –, de acordo com determinadas instruções e condições constantes expressamente do instrumento de trust (“Deed of Trust”).
O Trust, assim, não é uma pessoa jurídica, uma estrutura empresarial, um fundo ou uma entidade. Se trata, pois, apenas de uma relação contratual entre Settlor e Trustee, baseado na confiança e regido pela legislação do país de sua constituição.
O Trustee se compromete a gerenciar os bens recebidos do Settlor, em nome próprio, de acordo com as regras que foram estipuladas em contrato e com as ordens que forem emanadas pelo Settlor ou por um diretor por este nomeado, em benefício dos beneficiários listados no Deed of Trust.
A constituição do Trust, assim como as regras que permeiam a sua estrutura e manutenção, deve ocorrer em país que adotas as regras jurídicas do common law – sistema jurídico anglo-saxão –, uma vez que nestes sistemas há uma distinção clara entre a propriedade legal (título) da propriedade beneficiária. Logo, não há confusão patrimonial, como ocorre – interpreta-se – nos países de civil law.
Com efeito, uma vez instaurada a relação de trust, ocorre uma separação entre a titularidade jurídica dos bens (que é do Trustee) e o seu beneficiário econômico. O Trustee passa, então, a deter a propriedade dos bens em nome próprio e, não obstante, a atuar como uma espécie de gestor em relação a tais bens.
Embora tais bens estejam formalmente em nome do Trustee – não mais fazendo parte do acervo de bens e direitos do Settlor, a depender do tipo de Trust instituído – eles constituem, na verdade um fundo em separado, administrado pelo Trustee em nome próprio, de acordo com as regras prescritas no Deed of Trust e/ou ordens emanadas do Settlor ou Diretor, a depender do tipo de Trust constituído: revogável ou irrevogável).
- Trust Rrevogável ou Revocable Trust:
Também chamado de “Living Trust”, se trata de um Trust criado durante a vida do Settlor ou Grantor para administrar os seus ativos em caso de invalidez ou morte.
Esse tipo de Trust é estabelecido tendo o Settlor ou Grantor como Trustee, e outra pessoa nomeada como Successor Trustee; podendo o instituidor, inclusive, revogar o instrumento a qualquer momento.
O Settlor ou Grantor tem o controle total sobre os ativos do Trust até se tornar inválido ou incapacitado. Quando isso ocorre, o Trust torna-se irrevogável e o Successor Trustee assume para distribuir os ativos do Trust em favor dos beneficiários após a morte do Settlor, conforme indicado no contrato de Trust.
Um Revocable Trust pode ser considerado um testamento sofisticado e aprimorado, que determina que quaisquer ativos não mantidos no Trust sejam adicionados ao Trust na morte do instituidor.
Uma relação de Revocable Trust não oferece economia de imposto sobre a renda ou de impostos imobiliários. Como o Settlor ou Grantor mantém o controle sobre os ativos do Trust, após a sua morte, o valor justo de mercado dos ativos do Trust na data de sua morte é incluído em seu patrimônio bruto tributável.
A propriedade transferida para um Revocable Trust não faz parte do inventário do falecido e, portanto, evita o procedimento e os custos do inventário.
Segundo as orientações disponibilizadas pela Receita Federal do Brasil no contexto do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), as pessoas físicas que tenham instituído trusts revogáveis devem declarar a existência desses contratos para fins fiscais. Dado que o trust não é uma entidade, mas um contrato, o Settlor ou Grantor deveria reportar diretamente os bens subjacentes ao contrato. Portanto, os bens confiados ao Trust devem ser declarados pelo Settlor ou Grantor como bens próprios, e os rendimentos produzidos por esses ativos deveriam ser tratados como rendimentos auferidos diretamente pelo Settlor ou Grantor.
Em grande parte das estruturas de Revocasble Trusts detidas por residentes no Brasil, o patrimônio contribuído ao Trust é composto por quotas de uma sociedade no exterior. Portanto, o que a pessoa física residente no Brasil continua a declarar é a titularidade dessas quotas, beneficiando-se do diferimento tributário: haverá tributação no Brasil apenas se e quando a empresa detida por meio do Trust distribui dividendos ou quando a pessoa física aufere algum ganho na redução de capital ou alienação do investimento. Nesses casos, considera-se que os dividendos e ganhos de capital são obtidos diretamente pelo Settlor ou Grantor, devendo ser tributados no Brasil de acordo com a sua natureza.
B. Trust Irrevogável ou Irrevocable Trust:
Se trata de um Trust criado durante a vida do Settlor, que não pode ser revogado por este, instituidor. Ademais, o Settlor ou Grantor não dispõe de qualquer controle direto sobre os ativos e, como tal, não pode ordenar distribuições ou atos ao Trustee, sequer podem figurar como Trustee ou diretores do Trust.
Nesse caso, há uma separação efetiva entre o Settlor ou Grantor e a propriedade dos bens incorporados no Trust, entregues ao Trustee; embora estes possam ser listados como beneficiários do Trust.
Uma vez que os bens passam a pertencer ao Trustee, sem qualquer vínculo ou controle direto pelo Settlor ou Grantor, este não será tributado sobre o rendimento do Irrevocable Trust, salvo se for beneficiado com distribuições sou bens emanados do Trust (o que seria interpretado como doação, conforme a corrente dominante, ou renda, conforme a corrente minoritária).
O Trust é gerido pelo Trustee, de forma discricionária (discricionary trust) ou conforme as ordens emanados do Diretor do Trust (directed trust), em consonância e nos limites/poderes estabelecidos no Contrato de Trust.
C. Trust Dirigido ou Directed Trust
Directed Trusts são estruturas relativamente novas que surgiram devido a outra lacuna no código. Uma das principais dificuldades que muitos tinham ao formar um Trust era confiar em um administrador terceirizado, que teria controle discricionário sobre os ativos do Trust.
O IRC (International Revenue Code) dos Estados Unidos estabeleceu que o controle deve estar nas mãos de uma “adverse party”, ou seja, alguém que possa agir contra a vontade do Grantor ou Settlor.
Em razão disso, alguns Estados americanos, como Dakota do Sul, aprovaram mudanças legislativas, que permitiram que o controle absoluto sobre os ativos do Trust continuasse nas mãos de um diretor terceirizado e não necessariamente do próprio Trustee. Ao fazer isso, eles permitiram que um trustee profissional ou uma trust company detivesse o título dos ativos e, ao mesmo tempo, permitiam que o grantor permanecesse com o controle indireto sobre os ativos do Trust através de um diretor por ele nomeado.
Esses Estados, da mesma forma, permitiram self-settled Trusts, em que o grantor continuava sendo o principal beneficiário e, também, que o grantor permanecesse como protector do Trust e com o poder de destituir/renomear trustees e diretores. Isso, sem afetar a propriedade e o controle direto dos ativos do Trust pelo Trustee.
Embora existam diversos tipos – e propósitos – de Trust, abordamos acima especificamento o Trust Irrevogável e Dirigido, a fim de estabelecer um comparativo do instituto com a Solução de Consulta Cosit 75/2025 e com a Lei n. 14.754/2023.
III. A LACUNA DA LEI N. 14.754/2023
A Lei n. 14.754/2023, que institui um regime fiscal para a cobrança e atualização de valores de bens e direitos no exterior, trouxe importantes avanços na regulação do patrimônio mantido fora do país por pessoas físicas residentes no Brasil. No entanto, apesar de seu escopo amplo, a lei se manteve silente quanto ao tratamento específico dos trusts — figuras complexas e historicamente ignoradas pela legislação tributária brasileira.
Em particular, a Lei 14.754/2023 tampouco disciplina a separação entre titularidade formal e titularidade econômica, tão característica dos trusts. A despeito de dispor sobre a atualização do valor dos ativos no exterior, não há qualquer diretriz sobre como tratar, por exemplo, os bens formalmente titulados por trustees, mas economicamente atribuídos a beneficiários em arranjos dirigidos. Assim, o trust permanece numa espécie de limbo jurídico-tributário: não é pessoa jurídica, não é contrato de sociedade, tampouco é tratado como estrutura fiduciária nos moldes da legislação brasileira
Essa omissão não é trivial. A ausência de menção expressa ao instituto do trust cria uma zona cinzenta interpretativa, na qual os operadores do direito, os contribuintes e a própria Receita Federal se veem obrigados a recorrer a analogias e construções hermenêuticas, nem sempre consistentes com a natureza jurídica do trust, conforme concebido nos sistemas de common law.
Na verdade, não há previsão correspondente na legislação civil, triubtária ou empresarial do Brasil acerca da constituição e do funcionamento dos Trusts. De igual modo, especialmente, não há orientação na legislação tributária sobre como devem ser tratados os eventos de transferência de bens e distribuições realizadas no âmbito dos Trusts.
O que se tem no Brasil, apenas, a partir da publicação da Lei 14.754/2023, é um início de tratamento fiscal em relação aos beneficiáros do trust, forma de declaração e apuração do imposto. E, nesse sentido, a legislação foi expressa ao disciplinar apenas e tão somente os trusts instituídos por pessoas físicas (settlor), considerando, nesse sentido, que:
- os rendimentos e os ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto de trust serão considerados auferidos pelo instituidor pessoa física do trust (settlor), até a sua efetiva distribuição ou transferência para o beneficiário.
- após a distribuição de bens e direitos do trust, em vida ou em decorrência de falecimento do settlor, a titularidade dos bens e direitos passará a ser do beneficiário.
- as distribuições de bens, direitos ou valores do trust para os beneficiários terão natureza de doação ou transmissão causa mortis.
Nota-se, pois, que com a nova regra, o trust instituído por pessoa física passa a ser uma entidade “transparente” para fins tributários.
Por outro lado, o trust instituído por pessoa jurídica não recebeu tratamento legislativo específico – pelo contrário, a Lei foi expressa e direta ao regulamentar apenas o trust instituído por pessoa física – razão pela qual não há que se “inventar” um tratamento específico em decorrência de tal lacuna.
Com efeito, a lacuna não pode ser vista como uma omissão do legislador, mas como a mais adequada técnica legal, uma vez eu o trust instituído por pessoa jurídica (“Corporate Trust”), sendo irrevogável, non grantor, e geridopelo Diretor (dirigido) ou pelo próprio Trustee (discricionário) (assim, um “Corporate Non-grantor Irrevocable Trust”) faz com que a propriedade dos bens efetivamente se transfira para o trustee, sem qualquer controle direto, gerência, irrevocabilidade ou direcionamento dos bens e direitos pelo instituidor do trust (settlor).
O Corporate Non-Grantor Irrevocable Trust não oferece ao Settlor eventual controle ou poderes sobre o ativo, receitas, Trustee ou sobre o próprio Trust. Isso significa que o Settolor não pode revogar ou alterar os termos do Trust ou fazer alterações nos beneficiários do Trust, sequer, promover ordens ou direcionar a gestão dos ativos.
Em termos de tributação, a falta de controle significa que um Non-Grantor Trust é tratado como uma entidade tributária em separado do Settlorr. O próprio Trust é obrigado a pagar impostos sobre qualquer receita recebida e apresentar uma declaração de imposto usando um número de identificação fiscal.
Em suma, em respeito ao princípio de autonomia de vontade nos contratos estabelecidos, bem como o respeito à legislação internacional, desde que o objeto do contrato não seja ilícito e exista substância na estrutura adotada, em se tratando de estrutura de Trust domiciliada no exterior, o Brasil está (ou deveria estar) submetido à soberania e adstrito à observância das regras internas do “país-sede”.
Por tal razão, é que a Lei n. 14.754/2023 não tratou especificamente sobre o Trust instituído por pessoa jurídica, mais precisamente, o mencionado Corporate Non-Grantor Irrevocable Trust, uma vez que a sua instituição implica na real e irrevogável transferência dos ativos à propriedade e gestão de terceiros, deixando o Settlor de possuir a propriedade, posse ou possuir qualquer poder de gestão sobre os referidos ativos.
IV. EQUÍVOCOS TÉCNICOS DA SC COSIT 75/2025
Publicada em 30 de abril de 2025, a Solução de Consulta COSIT nº 75, emitida pela Receita Federal do Brasil por meio da Coordenação-Geral de Tributação, reacendeu o debate jurídico-tributário sobre a natureza e o tratamento fiscal dos trusts estrangeiros, em especial no contexto da recente Lei n. 14.754/2023, que passou a disciplinar a tributação de rendimentos e ganhos de capital oriundos de ativos mantidos no exterior por pessoas físicas residentes no país.
A Solução de Consulta COSIT n. 75, publicada em 30 de abril de 2025, busca preencher a lacuna legislativa existente com relação ao tratamento fiscal dos trusts à luz da Lei n. 14.754/2023. Contudo, o faz de maneira equivocada, por adotar premissas incompatíveis com a natureza jurídica do instituto.
O primeiro equívoco é de natureza conceitual: a Receita Federal trata o trust como uma entidade autônoma, aproximando-o de uma pessoa jurídica ou uma “figura equiparada”, dotada de capacidade tributária. Essa leitura contraria frontalmente a doutrina especializada, a jurisprudência consolidada e a legislação estrangeira, que definem o trust como uma relação jurídica de confiança — desprovida de personalidade jurídica ou capacidade tributária própria.
Ora, a utilização de conceitos estrangeiros deve sempre passar por uma criteriosa análise de compatibilidade e pertinência com o sistema jurídico nacional, sob pena de se construir ficções desconectadas da realidade normativa, um verdadeiro atropelo ao instituto. Ao desconsiderar essa premissa, a Cosit 75/2025 incorre em um “direito comparado mal transplantado”, gerando interpretações descoladas da função econômica e jurídica dos trusts.
O segundo erro, de ordem sistemática, está na tentativa de aplicar o regime da Lei 14.754/2023 indistintamente a todos os tipos de trust, ignorando as distinções fundamentais entre trust revogável, irrevogável (non-grantor), dirigido ou discricionário. Ao tratar todo trust como simples “extensão patrimonial” do instituidor (settlor), a Receita Federal elimina nuances cruciais, como a perda de controle jurídico no caso dos irrevogáveis (non-grantor), ou a existência de um terceiro (diretor ou trustee) que gere os ativos com independência.
A consequência desse raciocínio é o atropelo do princípio da capacidade contributiva, na medida em que a mera criação de um trust, ainda que irrevogável e totalmente fora da esfera de comando do instituidor, passa a ser interpretada como mera interposição fictícia — potencialmente ensejando imputação de renda ou patrimônio de forma arbitrária. Ora, a ignorância das distinções fáticas e jurídicas entre titularidade formal e substancial pode levar à tributação sobre bases não reais, violando o mínimo existencial do contribuinte.
Por fim, a solução de consulta promove uma inovação normativa ilegítima, ao instituir, sem respaldo legal, regras de imputação automática de renda e patrimônio à pessoa física controladora ou titular de participação societária do settlor pessoa jurídica, inclusive em casos em que estes (Settlor e/ou sócios) não detêm mais qualquer domínio jurídico ou econômico sobre os bens — como nos Corporates Non-Grantor Irrevocables Trusts, titulados e dirigidos por terceiros independentes.
Esse tipo de construção normativa, ainda que bem-intencionada, invade o campo reservado à lei em sentido formal e, portanto, carece de legitimidade. Até porque, conforme reiterado pelo Supremo Tribunal Federal, “a criação de obrigação tributária deve advir de norma legal específica, em estrita observância ao princípio da legalidade” (STF, RE 566.819/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 04/08/2011).
V. CONCLUSÃO
A análise desenvolvida permite concluir que o Irrevocable Trust, sobretudo quando estruturado sob a forma de Corporate Non-Grantor Irrevocable Trust, constitui um instrumento legítimo e eficaz de planejamento patrimonial, sucessório e tributário, desde que observado o ordenamento jurídico da jurisdição de sua constituição e respeitados os princípios da legalidade e da substância econômica. Trata-se de uma estrutura que efetivamente separa a titularidade jurídica dos bens do instituidor, transferindo-os a um trustee independente, que os administra em benefício dos destinatários definidos no instrumento de trust.
A Lei n. 14.754/2023 representou um avanço importante ao disciplinar a tributação de trusts instituídos por pessoas físicas, mas deliberadamente manteve silêncio quanto aos trusts instituídos por pessoas jurídicas — notadamente os irrevogáveis e não grantores. Tal silêncio, longe de configurar lacuna técnica, reflete o reconhecimento de que tais estruturas não se confundem com interpostas pessoas ou entidades fictícias, mas possuem existência autônoma e válida sob a ótica do direito internacional privado.
Nesse cenário, a Solução de Consulta COSIT n. 75/2025 incorre em dois vícios fundamentais: primeiro, extrapola sua função interpretativa ao inovar o ordenamento jurídico sem respaldo legal; segundo, ignora as distinções essenciais entre as diversas modalidades de trust, tratando-as de forma uniforme e distorcida. Essa abordagem viola princípios basilares do direito tributário — como legalidade, capacidade contributiva e segurança jurídica — além de desconsiderar a soberania das jurisdições estrangeiras e a autonomia da vontade das partes em contratos internacionais lícitos.Portanto, é imprescindível que a interpretação administrativa e judicial do instituto do trust se paute pela observância da legislação aplicável à sua constituição e pela preservação da coerência sistêmica entre o direito interno e o direito comparado. Apenas assim será possível reconhecer, com segurança e maturidade jurídica, o papel do Irrevocable Trustcomo uma ferramenta legítima e sofisticada de planejamento patrimonial e sucessório, apta a promover eficiência fiscal, continuidade intergeracional e proteção efetiva do patrimônio familiar e empresarial.
