A utilização estratégica do joint tenancy with rights of survivorship e a sua eficiência em planejamento sucessório

Tomás Carvalho

Tomás Carvalho

O estudo sobre a eficiência sucessória e sobre a própria sobrevivência das empresas no mercado, como consequência de um processo de organização e de sucessão não planejado ou realizado de maneira inadequada, é um dos temas mais importantes que permeia a ideia da imprescindibilidade de realização de um adequado planejamento empresarial sucessório.

O planejamento sucessório envolve, dentre outras possibilidades, a adoção de um conjunto de estratégias visando a eficiente organização dos ativos em uma sociedade empresária e a manutenção (perpetuação) desta sociedade, em especial, a sucessão da titularidade da participação societária com eficiência operacional e tributária, bem como focado na melhor governabilidade da sociedade e dotado de proteção em face de terceiros.

Por outro lado, diante do preocupante cenário econômico brasileiro e da sua instabilidade política atual, mormente em se tratando de ano eleitoral no país, a busca por investimentos no exterior se mostra pertinente visando a uma segurança e proteção do capital, além da possibilidade de diversificação de investimentos e acesso a outros mercados, mais sólidos e menos voláteis.

Todavia, a realização de operações no exterior por meio da constituição de uma sociedade empresária nos Estados Unidos ou em alguma jurisdição Offshore, ou mesmo por meio da pessoa física, não afasta a necessidade e pertinência da elaboração de um planejamento sucessório prévio.

Com efeito, em se tratando de operações – especialmente financeiras/investimentos – realizadas no exterior, sobretudo nos Estados Unidos, é comum se fazê-lo por meio da constituição de uma sociedade empresária[1], incorporada no referido país (“Onshore”) ou em alguma jurisdição distinta daquela onde se operam os ativos/investimentos (“Offshore”), especialmente naquelas jurisdições dotadas de tratamentos fiscais mais favoráveis; sociedades estas denominadas de Private Investment Companies (“PIC”).

Independentemente de se tratar de uma jurisdição Onshore ou Offshore, em se tratando de uma operação fora do Brasil, o falecimento do titular de uma participação societária implica em uma série de consequências sucessórias no exterior, dentre as quais se destacam: (i) a necessidade de abertura de processo de inventário e partilha no exterior; (ii) a possibilidade de pagamento de imposto sobre a herança (transmissão causa mortis) no exterior; e (iii) a transferência da participação societária do titular para os seus sucessores.

Nos dois primeiros casos, impõe-se não apenas a necessidade de se passar por um procedimento burocrático e moroso, mas ainda, na imprescindibilidade de se incorrer em consideráveis gastos para suportar o aludido procedimento e arcar com a obrigação tributária para a transmissão da herança.

Nesse sentido, em se tratando de determinados ativos localizados nos Estados Unidos[2], especialmente ações de uma sociedade empresária norte-americana, o imposto sobre a sucessão para não-residentes fiscais é de 40% (quarenta por cento), considerada uma isenção para bens e direitos cujo valor não ultrapasse o montante de USD$ 60.000,00 (sessenta mil dólares). Em jurisdições dotadas de tratamento fiscal mais favorável, embora possa não haver a incidência de imposto desta natureza[3], o procedimento de sucessão de bens e direitos é burocrático e moroso, além do custo em que se deve incorrer para a contratação de um especialista local para a instauração e conclusão do processo de sucessão.

Já na terceira hipótese, tem-se da possibilidade do ingresso de terceiros não desejados ao ambiente empresarial, podendo gerar disputas de poder, conflitos de interesse, desentendimentos e até mesmo dissolução societária ou litígio entre os sócios.

Assim, é que a utilização de cláusula de Joint Tenancy with Rights of Survivorship  (“JTWRS”) no âmbito societário internacional, se mostra como uma pertinente estratégia de planejamento sucessório, mormente para afastar o imposto sucessório e a necessidade de procedimento de sucessão (inventário e partilha) no exterior e, ainda, “direcionar a transmissão” do bem na falta do seu titular.

O JTWRS refere-se a uma estrutura legal de propriedade em condomínio, envolvendo duas ou mais partes[4] para qualquer tipo de ativo (p.ex. ações de sociedade empresária). Cada proprietário em Joint Tenancy tem um direito igual ao dado ativo, ou seja, consideram-se todos os proprietários em Joint Tenancy como co-titulares de um mesmo ativo, em condomínio.

Por ocasião dos “rights of survivorship”, os proprietários em Joint Tenancy que sobreviverem ao proprietário que falecer são automaticamente considerados proprietários do bem.  

A JTWRS, portanto, se traduz no exercício do direito de propriedade pelos “proprietários conjuntos”, de forma indivisível, sobre o bem considerado como um todo. Enquanto vivos, os proprietários conjuntos são titulares do mesmo direito de propriedade de forma indivisível (co-titularidade). Por ocasião da morte de um, o sobrevivente passa a ser titular desse direito de propriedade isoladamente. Assim sendo, nada resta para ser transmitido, herdado ou fracionado por terceiros.

O Joint Tenancy with Rights of Survivorship é um instituto existente em alguns países regidos sob o regime jurídico anglo-saxão e, portanto, não é aplicável no Brasil (sob o regime romano-germânico).

Nos Estados Unidos, é possível aplicar o instituto (similar) para empresas Corporations[5], mas não para empresas LLCs ou LPs[6]. Em algumas outras jurisdições dotadas de regime tributário mais favorável, ideais para a incorporação de PICs, como Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas (BVI), St. Kitty and Nevis e Belize, é possível a instituição da cláusula de JTWRS.

Embora não haja a aplicação no Brasil do JTWRS, vigora no país o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, segundo o qual, havendo patrimônio em diferentes países, deverão ser inventariados estes bens em cada uma destas jurisdições. Desde que respeitados os limites impostos, sob o ordenamento jurídico brasileiro, pela ordem pública, bons costumes e soberania nacional – art. 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”) – deve o Brasil respeitar a aplicação e os efeitos das leis estrangeiras.

Tratando-se de JTWRS instituída sobre participações offshore em jurisdição de direito anglo-saxão, a lei aplicável, no Brasil, para a compreensão do instituto, deve ser a própria lei da jurisdição offshore (art. 8º, caput, da LINDB).

Assim, a par da discussão sobre eventual caracterização de doação[7], bens situados no exterior escapam ao processo de inventário e partilha no Brasil[8], devendo ser respeitada a regra sucessória do último domicílio do falecido; ou, no caso, a regra societária da aplicação da cláusula de JTWRS.

Desta feita, o Joint Tenancy with Rights of Survivorship pode se mostrar, de fato, uma ferramenta útil e eficiente para se afastar a abertura de processo sucessório no exterior, assim como o pagamento de imposto sobre a sucessão no exterior. Por outro lado, assegura a “transmissão” do ativo ao “proprietário em Joint Tenance” olvidando-se, ainda que em regra, as normas de transmissão da herança a herdeiros instituídos em Lei.

Ademais, também a par da discussão sobre eventual caracterização de doação, nos casos em que o proprietário em Joint Tenancy não realizou qualquer contribuição financeira em relação ao ativo, este sequer deve apresenta-lo em sua declaração anual de bens e direitos no Brasil. Apenas, por ocasião da morte do co-proprietário, é que o referido ativo passa a integrar o seu rol de bens, por ocasião da “sucessão automática” oriunda da cláusula de JTWRS.

Em suma, a despeito da eficiência estratégica da utilização da cláusula de Joint Tenancy with Rights of Survivorship como instrumento de planejamento sucessório, infere-se queas diversas particularidades de cada situação precisam ser cuidadosamente estudadas no caso concreto e os efeitos/reflexos tributários possíveis no Brasil precisam ser avaliados com cautela para uma melhor racionalidade na tomada de decisão a este respeito.


[1] Para que não fujamos do tema proposto, em momento oportuno, escreveremos sobre as vantagens de se realizar as operações no exterior por meio da utilização de uma pessoa jurídica, especialmente sediada em uma jurisdição Offshore que possua tratamento fiscal mais favorável.

[2] U.S. situs property/assets: ações de empresa americana, imóvel, bens tangíveis etc.

[3] A exemplo das Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Bahamas, Belize, Nevis, entre outras.

[4] Pode ser instituída entre membros de uma mesma família, sucessores entre si, ou entre partes não dotadas de qualquer vínculo, ou seja, que não estão relacionadas de forma consanguínea ou civil entre si.

[5] Corporação, em tradução livre.

[6] Limited Liability Companies, ou Sociedade de Responsabilidade Limitada, em tradução livre; e Limited Partnership, ou Parceiria Limitada, em tradução livre.

[7] No final de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal brasileiro (“STF”) decidiu, com repercussão geral, pela não incidência de imposto sobre doação ou herança (ITCMD) em bens localizados no exterior. Desse modo, tendo em vista o disposto no art. 155, §1°, III, b da Constituição da República Federativa do Brasil (“CRFB”), e o julgamento proferido pelo STF, entende-se que a impossibilidade de incidência de imposto sobre a doação ou herança, por ausência de Lei Complementar, pressupõe que (i) o doador ou falecido tenha residência no exterior, ou, se residente no Brasil, o objeto da doação seja um bem imóvel situado no exterior; ou (ii) o Inventário e Partilha seja processado no exterior ou, mesmo que processado no Brasil, tenha por objeto bem móvel ou imóvel localizado no exterior.

[8] A Emenda Constitucional n. 132/2023 reafirma a necessidade de Lei Complementar para tratamento do tema, porém, já apresenta uma “pre-fixação de regras” a serem observadas. Desse modo, na prática, a EC 132/2023 já cuida de disciplinar o que a Lei Complementar eventualmente o faria. Sendo a Emenda Constitucional norma hierarquicamente superior à lei Complementar, e já se prestando ao tratamento da matéria, surge a fundada dúvida sobre a possibilidade de os Estados já promoverem a cobrança do ITCMD em operações no exterior (inventário e partilha; e doação). Todavia, há uma determinação de progressividade obrigatória, o que faz com que alguns Estados como Minas Gerais e São Paulo tenham que reeditar as suas leis antes de pretender promover a cobrança do ITCMD nestas operações internacionais, ainda que o fosse possível fazer sem a edição de Lei Complementar específica.

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